
A construção do Parque Eólico Coxilha Negra pela Eletrobras em território disputado há quase um século reativou o conflito diplomático entre Brasil e Uruguai pelo Rincão de Artigas, área de 237 km² na fronteira. Em 27 de junho de 2025, o Ministério das Relações Exteriores do Uruguai enviou nota formal ao Itamaraty rejeitando qualquer reconhecimento de soberania brasileira sobre o local, onde o complexo energético — operacional desde julho de 2024 — ocupa 8.644 hectares. O governo uruguaio exige a reabertura de negociações baseadas em um alegado “erro de demarcação” no Tratado de Limites de 1851. O Itamaraty respondeu em 3 de julho reafirmando a posse brasileira e propondo “diálogo diplomático” para evitar tensões.
Com investimento de R$ 2,5 bilhões e capacidade de 302,4 MW (suficiente para abastecer 1,5 milhão de consumidores), o parque eólico tornou-se o epicentro da crise. O Uruguai argumenta que o Rincão integra o Departamento de Artigas, sustentando que o tratado do século XIX confundiu os cursos dos arroios Invernada e Moirões. O embaixador uruguaio no Brasil, Rodolfo Nin Novoa, declarou:
“A instalação sem consulta prévia viola a irmandade bilateral. Exigimos solução baseada em equidade e justiça”.
O impasse remonta a 1933, quando um coronel uruguaio questionou a demarcação. Em 1934, o geógrafo Elzear S. Giuffra formalizou a reivindicação, levando Montevidéu a solicitar uma “determinação científica” dos limites — rejeitada por Brasília. Desde 1974, mapas uruguaios marcam a região como “limite contestado”. Protestos diplomáticos ocorreram em:
- 1985: Após a construção da vila Thomaz Albornoz (ou Manuel Fialho) pelo Brasil;
- 1988: Com nova nota reivindicatória.
Em 1989, o Itamaraty declarou que revisões seriam “um atentado à estabilidade territorial”.

Os cerca de 200 habitantes da vila Thomaz Albornoz vivem em limbo jurídico. A moradora Virginia Costa relatou à Folha de S.Paulo (2019):
“Aqui estamos largados. O Uruguai nos fornece saúde, odontologia e internet”.
Nas redes sociais, uruguaios expressam indignação. O usuário @MartnBarrera5 tuitou: “O Rincão é terra roubada pelo Brasil! #DevoluçãoJá”.
A área, antes sem relevância econômica, ganhou valor com a transição energética. Para o geógrafo Luiz Ugeda:
“Fronteiras pacificadas não são imunes a tensões. Em tempos de radicalização política, até pequenas disputas exigem gestão ágil”.
A reativação do conflito pelo Parque Eólico Coxilha Negra expõe fissuras na “Fronteira da Paz” entre Santana do Livramento (BR) e Rivera (UY). Enquanto o Itamaraty prioriza a harmonia bilateral, a insistência uruguaia em revisar os mapas — aliada ao silêncio sobre obras estratégicas — sinaliza que apenas negociações concretas, mediadas por organismos internacionais, resolverão este impasse secular sem comprometer a estabilidade regional.